Dedicado a todos quantos, nestes últimos tempos, se têm esforçado, por entre falta de meios e condições quase inumanas, por travar os inúmeros e violentos incêndios que lavram e devastam este nosso Portugal.
Acordou de manhã bem cedo, ao som do toque contínuo e lúgrebe da sirene que tão bem conhecia. Apesar do cansaço e do desgaste de três dias e três noites consecutivas sem dormir, as 72 horas mais longas do último ano, esforçou-se e levantou-se, rápida e silenciosamente (como desde cedo aprendera a fazer), dirigiu-se à casa da banho e, em menos de cinco minutos, refrescou-se e envergou de novo as roupas chamuscadas e impregnadas de cheiro a fumo e terra queimada que eram o seu uniforme. Antes de sair a correr porta fora, olhou uma última vez de relance para o vulto ao lado de quem até há pouco repousava. Espreitou e contemplou a face que o acompanhava há já alguns anos e decorou cada detalhe. Beijou-a em silêncio e à distância, ansiando já pelo regresso a casa e aos seus braços. No caminho para a porta da frente, entreabriu um pouco mais a porta de um outro quarto e perscrutou a penumbra, em busca do corpo pequeno e rechonchudo deitado no berço. Novo beijo silencioso e uma prece para que tudo acabasse depressa e a volta ao lar fosse célere. Já na rua, cobriu em poucos minutos de corrida a distância que separava a sua casa do quartel dos bombeiros voluntários da localidade. Os camaradas chegavam também ao mesmo tempo, todos eles com o mesmo aspecto cansado e desgastado, cada rosto evidenciando o desalento latente do combate inglório que vinham travando há dias. Ao longe, apenas uma coluna de fogo negro que se erguia, célere e impiedosa, no horizonte, contrastando num cenário que tinha tanto de belo como de horrível com o azul de um dia nascente que prometia vir a ser pleno de sol e calor, os seus piores inimigos naquele momento. Já empoleirado no carro todo-o-terreno, por entre o ulular ensurdecedor das sirenes e o clamor da buzina do veículo, interrogou-se sobre as condições do terreno que teriam de enfrentar. Por entre matagais, zonas inacessíveis e arvoredo a perder de vista (mesmo os cotos já calcinados por fogos anteriores) procurava o local onde iriam proceder, uma vez mais, a um combate cujo resultado final era sempre uma incógnita... especialmente devido aos parcos meios de que a sua corporação dispunha para travar o mesmo! Chegaram... as chamas lavravam o enorme campo à sua frente, ganhando força a cada instante, tornando-se cada vez mais altas, ameaçando cruelmente tudo e todos quanto se cruzassem no seu caminho. Por experiência adquirida em tantas outras situações do género, sabia que ia ser uma tarefa espinhosa, pois o fogo dirigia-se, empurrado pelo vento que subitamente despertara, para meia dúzia de habitações ali perto, que ele sabia pertencerem a pessoas idosas e com poucas possibilidades de serem evacuadas a tempo, muito por culpa da inacessibilidade do terreno. Não ia ser fácil, pensou, nada fácil mesmo... Ainda assim, não hesitou um instante que fosse. Nem poderia. Era bombeiro desde que se lembrava e o seu coração não lhe ditava mais nada que não fosse avançar e seguir em frente. Fê-lo, levando consigo dois homens mais novos mas igualmente experientes. O comandante decidira escalá-los para tentarem domar a frente mais perigosa, que colocava em risco as habitações que ainda há pouco havia observado. A cada passada forte e decidida, constatava que desta vez ia ser mesmo um tudo ou nada frente às chamas, cujo crepitar já se fazia ouvir mais perto. O terreno era mau, muito acidentado e a mangueira que levavam escassa perante tamanha área. Da mesma forma, não tinham tempo para debastar o terreno ao seu redor, evitando assim a progressão daquele mar de chamas, imenso e pavoroso. Começaram o combate por demais desigual, tendo sempre em mente que do seu sucesso dependia a preservação das casas, dos bens e das vidas das pessoas algures acima deles. Eles estavam no pior sítio possível, com uma missão única a desempenhar. Então, de repente, quase sem saberem como, viram-se frente a frente com as chamas, num avançar tão súbito que, logo a seguir, se encontravam quase rodeados por aquele inferno ardente e sufocante. Não baixaram os braços e continuaram a lutar com quantas forças tinham... uma luta inglória, quase perdida. Os colegas olhavam para ele em busca de um sinal de bater em retirada. Todos sabiam que, para o fogo crescer tanto em tão pouco tempo, decerto haveria mão criminosa na origem do mesmo. Mas da suspeita quase certeza à prova irrefutável ia uma longa distância e todos eles o sabiam. O inferno prolongava-se e tornava-se cada vez mais insustentável permanecer ali. Com um grito de comando, que não admitia refutação, ordenou aos colegas que recuassem e fossem directos ao comando de operações, pedir reforços e meios aéreos. Ele ficaria ali e tentaria evitar o pior. Olharam para ele como se fosse louco, mas cumpriram e rapidamente desapareceram do local. Mal o fizeram o fogo apertou o cerco, cada vez mais alto, forte e feroz... Olhou ao seu redor, mas continuou, com o pensamento na família que, sabia-o, esperava por ele...
Rosália Sousa
Olho mas não te vejo mais.
Estendo os braços abertos, mas já não encontras o meu abraço.
Esboço um sorrio vazio enquanto encaro o espaço oco que se estende à minha frente.
Procuro-te por todos os cantos, recantos e não te encontro a não ser aqui, neste cantinho bem guardado dentro de mim, no mais fundo e profundo da minha alma, esse canto esquecido no meu coração.
Aqui estás tu, linda, calma, tranquila e serena. É um encanto olhar-te assim, nessa paz que emanas e sempre me tentaste transmitir, independentemente dos tempos tão conturbados através dos quais me guiaste, conduzindo-me a ser o que hoje evidencio perante mim e os outros.
Diz-me: Quem sou eu afinal? Por que razão acordo agora, quase seis anos volvidos sobre a tua partida, imersa nas imagens desesperantes do teu adeus, angustiada pelo teu silêncio tão cheio de palavras que não chegaste a pronunciar? Por que voltaram agora todos os momentos que quis esquecer e deixar lá bem atrás, no passado, onde pertencem? Por que não consigo esquecer as esperas imensas nos cuidados intensivos, a angústia de te ver na enfermaria onde os dias custavam a passar, o regresso a casa tão cheio de esperança e tão efémero, o teu fechar de olhos perante a minha impotência final, presa nos meus braços que não largaste até ao fim? Afinal, serei eu a filha de que tanto te orgulhavas e pela qual tanto lutaste?
Já não sei... Aflige-me a tristeza que sinto no meu coração. Angustia-me despertar de noite a chorar pela dor de te julgar aqui e, ao acordar, ver que tudo não passava de um sonho enganador.
Choro porque sinto a tua falta, porque por muito que procure sei que não vais estar lá quando olhar em frente ou para todos os lados.
Sei que tenho outra família agora, que tão bem me acolheu. Sei que tenho alguém que me ama (e como me ama, Deus meu!) ao meu lado, que tudo faz para que sejamos felizes e nada nos falte nesta labuta diária que é a vida de todos nós. Sei que tenho os amigos (alguns, muito poucos... cada vez menos), presentes nas horas boas e más, especialmente nestas últimas.
Sei tudo isso, aceito-o, agradeço e sigo em frente. Por quê? Porque é assim que tem de ser. Foi assim que me ensinaste o que é viver.
No entanto, preciso que me digas: Por quê? Por que voltas tão de repente? Por que me acordas a meio da noite julgando-te aqui e me deixas sozinha a chorar por não te ter mais?
Sinto falta de ti, do teu rosto, dos teus gestos, das tuas palavras.
Sinto falta do teu abraço, sempre tão apertado e sentido, dos teus carinhos, dos teus beijos.
Sinto falta do teu colo e do bater do teu coração.
Por que tiveste de partir tão cedo, afinal?
Deixaste-me à deriva de mim mesma e, por muito que prossiga nesta cruzada sem passado, apenas futuro, em busca da vida, não sei o que fazer sem a tua orientação. Fazes-me tanta falta...
Diz-me: O que faço? Como continuo? Responde-me! Preciso que me respondas... Nem que seja no silêncio daquele beijo que ficou por dar, no sorriso esforçado de um último gosto tanto de ti suspirado e arrancado à Ceifeira no último instante, no eco da chuva que teima em não cair ou na flor que espero ainda ver um dia brotar...
Responde-me, peço-te, e deixa-me dizer-te adeus ou até depois uma vez mais, para que ambas possamos descansar e encontrar a tranquilidade de nos sabermos finalmente em paz.
Sei que esta é e será uma despedida sem fim... até um dia.
Rosália.
Quisera eu dizer-te que te amo
E das profundezas do meu ser elevar-te
Na brancura alva da lua deitar-te
E nas nuvens deixar o calor
Que do meu corpo brota e flui devagar
Na busca do teu que se esconde enfim
Aquele em que anseio tocar
E teima em permanecer tão longe de mim.
Quisera eu alcançar-te na noite escura
Aquela em que me perco por entre estas linhas,
Tecer no teu corpo constelações de estrelas
Nos teus cabelos entrelaçar a ternura
De um beijo roubado aos teus lábios
Numa carícia tímida, quente e fugidia.
Quisera eu amar-te e ignorar a solidão que me rodeia
Nesta noite escura, longa e demorada
Que teima em não passar e me deixa desconsolada
De desejo arrefecido e desilusão tomada
Pelas lágrimas que teimam em cair
Na pele suada duplamente molhada
E salgada pelo amor que é dor
Em saudade espelhada.
Quisera eu amar-te... em mim renovada.
Amo-te...
Rosália
Miaaaaauuuuuuuuuuuu... Tanto calor é demais, principalmente quando se tem um casaco de pêlo que não se pode tirar!
Passemos às apresentações: Eu sou o Pantufa (ou melhor, Pantufinhas como me chama a minha dona) e passei por aqui porque a minha dona decidiu que já era tempo de ser apresentado. Nasci nas mãos da minha dona a 12 de Outubro de 2004 e fui sempre o preterido da ninhada (pelo menos pelo meu pai, que passava a vida a tirar-me do pé da minha mãe e dos meus manos e a dar-me patadas e dentadas). No entanto, vinguei (muito graças aos cuidados da minha dona) e agora sou o dono das reguilices e patifarias que têm lugar por aqui. O meu nome deve-se ao facto de ter as quatro patas branquinhas, assim como os bigodes, o pescoço e a barriga; de resto sou preto e tenho os olhos verdes (saí à minha mãe). Tenho tanto de meigo quanto de terrorista. Sou perito em esconder-me e pregar sustos, em competir por mimos e eu acordar a minha dona com dentadas de mau feitio, especialmente nos pés e nas mãos. Verdade seja dita que abuso... Mas sou tão engraçado que ela logo me perdoa.
Nestes últimos tempos tenho sido o fiel guardador da minha dona: onde quer que ela vá, lá estou... Sempre por perto. Ontem zanguei-me um bocadinho com ela, porque me deu banho para me aliviar do calor (eu não gosto de banho nem mesmo assim), fiz uma grande birra e estive toda a tarde amuado, mas lá me passou.
A minha dona pediu-me para, além de me apresentar, pedir desculpa por ela por andar tão desaparecida, mas estas semanas têm sido complicadas no trabalho (e assim vão continuar até ao fim do mês) e o calor dos últimos dias deixou-a um bocado em baixo, pelo que a paciência e a disposição para fazer o que quer que seja, além de tentar dormir e fazer a comida, têm escasseado. Até eu decidi dar-lhe uma folga e só lhe faço companhia (deixei de pregar partidas, a ver se ela se sente um pouco melhor).
Muitos minhaus e romrons para todos e até breve...
Miiiiiiiiiiiauuuuuuuuuu...
Pantufa
Os meus cantinhos