Subo as escadas lentamente. A cada passo o latejar da cabeça acentua-se, a tontura faz-me vacilar. "Coragem", penso, "só mais um pouco e já chegaste". Sinto o metal frio da chave na minha mão, enquanto a empunho e direcciono-a para a fechadura; rodo até ouvir e sentir o movimento do destrancar final. Empurro lentamente a porta.
Estou em casa.
Hoje não houve trânsito, nem dificuldade para estacionar. Hoje não fiz o exercício de reconhecimento de famílias tipológicas. Hoje não fui às aulas. Sinto um peso enorme por faltar, mas não conseguiria conduzir em segurança de olhos semicerrados e latejar na cabeça contínuo. Vim para o meu cantinho, o meu refúgio...
Saúdo os meus "meninos", que de imediato me rodeiam, como que perguntando o que faço em casa a estas horas. Arrumo as coisas mais imediatas, trato de mim e visto o pijama. Recebo a visita rápida mas muito bem-vinda de um amigo preocupado e, depois de um telefonema, fico a saber que o meu amor ficou retido por um trabalho de úlima hora.
Fico só, mas bem acompanhada. Não consigo recordar a última vez que fiquei assim no meu cantinho... Preparo um lanche rápido, ajeito as almofadas do sofá e coloco tudo ao alcance mais imediato. Sento-me e encosto-me. Cubro-me com as mantas e logo, logo chega a companhia, que se vai aninhando nos meus pés, nas minhas pernas e no meu regaço. Para onde quer que olhe ou me vire, lá está alguém que não me deixa esmorecer, ainda que seja um alguém de quatro patas e muito pêlo... quentinho por sinal. Aqueço as mãos na caneca fumegante. Termino o breve repasto... Inspiro e relaxo. O aconchego do calorzinho da bebida e dos reguilas surte um efeito mais do que bom de conforto... Melhor do que tudo isto, só mesmo quando o meu amor chegar ;). Aí sim, tudo estará perfeito!
Vou fazer uma pausa, uma breve pausa...
Beijos*** e boa semana!
Rosália :*)
Fez na passada sexta-feira oito dias que, ao preparar o jantar para um convidado inesperado, me deparei com o pedido, pela voz do meu amor, de uma vizinha minha para acolher, por aquela noite, um gatinho quase bebé que aparecera perdido à porta do prédio. Tinha sido encontrado pela filha dela, muito assustado, a miar à porta.
Como poderia recusar? Disse-lhes que trouxessem o pequenote e logo veríamos como iriam os nossos reguilas reagir. No instante em que chegou o conviva, bateu também à porta a filhota da minha vizinha e foi então que o vi: um pequenote tigrado, lindo de morrer, a miar assustado e que, quase literalmente, voou para o meu peito e se aninhou de imediato. Não devia ter mais de um mês e meio, no máximo dois. Sentado, cabe na palma da minha mão, a mesma com que consigo pegar-lhe assim que tenta trepar para pedir mimos. Esta foi a parte mais fácil... Restava apresentá-los aos restantes anfitriões!
Lentamente, depois de acalmá-lo, pousei-o sobre o meu colo e deixei o Merlim aproximar-se. Reacção imediata: bufadela como quem diz "quem és tu? esta casa é minha!". O pequenote não se intimidou: Ergueu-se nos quartos traseiros e assentou uma patada bem no centro da cabeça deste gatão com sete quilos de peso que, de espanto, ficou sentado a olhar para ele, antes de decidir-se a ir resmungar para outra freguesia!
O meu amor e o nosso Pankadas começaram logo a dizer que era má ideia, que não íamos dormir, que os outros gatos iam fazer picadinho deste e eu ia ter um desgosto, que já tínhamos quatro gatos e cinco seriam demais... Deixei-os falar e pensei para comigo "é só dar-lhes tempo e vai correr tudo bem!". Se bem o pensei, melhor o fiz: ao fim da noite, o nosso hóspede já tinha encontrado um amigo junto do Pantufinhas, que se tornou no mestre de cerimónias pela casa, no companheiro de brincadeiras e guardião perante os restantes pestinhas.
No dia seguinte chegámos à conclusão de que o pequenote teria sido abandonado, pois mesmo depois de percorridos todos os prédios daqui da zona ninguém o reclamou como seu. Escusado será dizer que, entretanto, já me havia apaixonado pelo pequeno diabrete que, a meio da noite, decidira ir dormir enroscadinho em mim e com a cabeça pousada ao lado da minha, ambos aninhados na mesma almofada.
Baptizámo-lo nesse mesmo dia: Kiko, com a alcunha de Rambo (pois não se deixou ficar sempre que os outros lhe quiseram "bater") e, neste momento já faz (quase) parte da família. Estamos os dois a tentar convencer o dono definitivamente (o Kiko, assim que o Paulo se senta no sofá, vai-se enroscar no colinho dele a ronronar e a pedir miminhos, miando quando não tem as festas que entende merecer - vejam bem a foto; eu... bem, eu tenho outras "armas" ;) ), uma vez que da Brida (não facilita muito, mas já o deixa enroscar-se ao lado dela) ao Merlim, passando pelo Pantufinhas e pela Pataró, já todos se deixaram conquistar por este pequenote terrorista!
Bem-vindo a casa Kiko :D... Foste uma rica prenda de anos atrasada!
Beijos a todos e boa semana!
Rosália ***
Não existem erros. Os acontecimentos que atraímos a nós, por mais desagradáveis que sejam, são necessários para aprendermos o que necessitamos de aprender. Todos os passos que damos são necessários para chegarmos aonde escolhemos chegar.
Richard Bach in A Ponte para a Eternidade
Muitas vezes interrogo-me sobre o que seria de mim e da minha vida se certas coisas e determinados acontecimentos não tivessem tido lugar na mesma. Pergunto-me que pessoa seria, o que teria acontecido a muitas conquistas e outras tantas derrotas. Certo e sabido é que, quase sempre, acabo por desistir. Afinal, que sentido faz mitigar no passado se é viver o presente e preparar o futuro que, de facto, importa?
Ainda assim, momentos há em que não consigo deixar de pensar, acima de tudo, nas pessoas que cruzaram o meu caminho até ao dia de hoje. Como será compreensível, detenho-me com algum vagar na recordação dos amigos, em especial daqueles que, por uma razão ou outra, se encontram mais próximos, em distância ou, acima de tudo, naqueles cantinhos do meu coração que se encontram guardados com direito a exclusividade. Quando as duas situações se conjugam... perfeito!
Creio não errar ao dizer que, se não te tivesse conhecido, provavelmente a minha vida não seria aquela que conheço e procuro, hoje, aproveitar ao máximo.
Não escondo nem nego, perante nada nem ninguém, como foi bom teres entrado de rompante no meu mundo, abalando-o e trazendo-lhe vida, libertando-me de tantas coisas, desamarrando as grilhetas que me mantinham atida a conceitos e normas sem sentido algum nos dias que correm. Acima de tudo, fizeste-me crescer e revelar-me a mim mesma.
Não é segredo algum que muitas vezes questiono a forma como o levaste a cabo, censurando muitas das tuas atitudes, por achá-las excessivas. Não nego a necessidade das mesmas, mas convenhamos que, como dizia o outro, não havia nechechidade... para tanto. Fizeste-me chorar muito, gritar, insurgir-me, revoltar-me. Alturas houve em que ai de ti que te atravessasses no meu caminho!
O Mundo dá muitas voltas e eu que o diga. Em poucos anos a minha vida sofreu transformações profundas e nestes últimos quatro nem se fala. Passei de menina a mulher, de sombra apagada e escondida a figura de proa e liderante num projecto chamado vida, aquela que, afinal, é minha e eu pensava ser dos e para os outros.
Pode dizer-se que acordei tarde, mas creio que foi o melhor despertar, pois tomei consciência da realidade que me e nos rodeia. Ao reflectir (e muito, não tenhamos dúvidas), constatei que o fiz também por tua causa, por todos os teus gestos e atitudes que, conjugados com os restantes de todos quanto me rodeavam (especialmente da nossa Lili), começaram a dar os seus frutos.
Sei que, sem ti, provavelmente nunca teria encontrado o verdadeiro Amor, não teria sido capaz de dominar muitos dos meus medos e, quem sabe, ultrapassar tantos outros obstáculos.
A nossa relação sempre teve muito de cão e gato, que tanto gosto de traduzir sob forma de não posso viver contigo, mas não posso viver sem ti (lembras-te da música dos Queen?), mas talvez seja por isso que, ainda hoje e cada vez mais, nos damos tão bem e temos uma amizade tão cheia de cumplicidade e entendimento mútuo.
Contigo aprendi (e ainda aprendo) muito. Procuro também ensinar-te algo, mas acho que é esse mesmo o segredo: o de descobrirmos que a escola da vida e da nossa amizade é a melhor de todas.
Sei que, se calhar, não terás a paciência de ler este texto até ao fim, pois, como fazes questão de afirmar, eu escrevo bué. Sim, é um facto. Defeito ou virtude, desconheço.
Há tanto mais que fica por dizer quando se pretende falar de alguém tão especial, com um coração tão grande como o teu (espero que consigas encontrar a chave para o mesmo um dia destes e, lentamente, vás abrindo a porta), com uma capacidade de ouvir que, quando devidamente sintonizada, é excelente, com as palavras certas na altura adequada.
Como sabes, o Paulo e eu completamos agora dois anos e seis meses de vida em comum. Sem ti nunca nos teríamos conhecido. São também do teu conhecimento todas as peripécias que nos têm atormentado nos últimos tempos, algumas de difícil superação. Porém, foste dos poucos que manteve a sua fé em nós e, de uma forma ou de outra, soubeste dirigir os nossos passos na direcção certa, para que, hoje, ainda aqui estivéssemos.
Confesso que há já algum tempo engendrava escrever algo do género, como também já o fiz para a minha vechia sorella, quase no início. Quem sabe foi a gripe (mas não das aves, felizmente!) que me inspirou...
Espero que perdoes o roubo do nome do teu blog (tardaste mas, enfim, juntaste-te a este nosso mundo) para o título deste post, mas que melhor forma teria de me fazer entender do que esta?
Por último, uma referência: A citação acima é algo que considero comum a ambos, às nossas vidas e, acima de tudo, à nossa amizade. Será que estamos de acordo?
Espero sabê-lo em breve.
Fica bem...
Rosália :*)
Os meus cantinhos