Este é o meu refúgio, o meu abrigo. Aqui espelho o meu eu, sob a forma dos meus pensamentos feitos palavras...
Quarta-feira, 23 de Fevereiro de 2005
Minha praia, meu refúgio
Chego só ao miradouro que se ergue sobre a praia.
Ao lado do meu, outros veículos repousam sobre o asfalto, de negro e branco colorido, que agora forma um parque de estacionamento muito concorrido até mesmo fora da época balnear.
Lembrar-me eu que aqui nada mais havia do que terra batida e buracos, um terreno por onde nos aventurávamos a medo, na esperança de alcançar uma melhor vista deste magnífico oceano que nos banha como se de um bálsamo se tratasse.
Ao longe vejo o mar espraiar as suas ondas na areia. Na linha da rebentação nada mais do que a espuma branca que se queda, indolentemente, por entre pedaços de conchas e rochas...
Na curva, sobre a arriba escarpada, as ruínas de um antigo casarão, onde se vislumbram ainda paredes exteriores e o muro circundante repletos de inúmeras conchas, de todas as formas, feitios e cores. Longe vão os tempos em que aqui se refugiaram habitantes humanos. Acolhe agora uma numerosa família felina, pela qual há muito me perdi de encantos, que é sempre alvo de uma visita demorada, por vezes até mesmo com direito a petiscos e a maior recompensa que alguma vez pude ousar imaginar: o carinho de um dos elementos mais novos, que já me reconhece e não me deixa partir sem antes receber a tão desejada e merecida dose de carícias e mimos. Quem dera poder tratá-los melhor, acolhê-los... Quem sabe um dia...
Mais abaixo, junto ao muro de branco caiado, perto das escadas que a cada ano parecem mais íngremes e escorregadias, passeiam casais de namorados de todas as idades e jovens pais, acompanhados pelos respectivos rebentos, por vezes ainda muito pequenos.
Desço calmamente a rua, sentindo cada lufada de vento encher-me de vigor que há muito julgava perdido. Sinto de novo forças para caminhar com vontade ao longo deste local que é tão público quanto meu... Em baixo, junto à entrada rasa do areal, escolho um local mais calmo e sento-me no muro, virando-me de forma a poder olhar o grande azul de frente... São poucos os momentos em que consigo sentir tanta paz e tranquilidade, um sentimento de que tudo irá correr bem.
Deixo-me ficar, muda e queda, durante alguns momentos... Sinto o sol que me aquece por entre o vento que sopra, agora mais acentuadamente. Quando o frio ameaça querer incomodar, ergo-me lentamente... Deixo que o sangue retome a normal circulação e a dormência abandone os meus pés.
Subo a rua íngreme que conduz à estrada principal, olhando os grandes cães, guardiões destas paragens, que se estendem por entre os carros estacionados, dormindo placidamente por entre o ruído do movimento circundante.
Com as mãos geladas a imporem-me alguma premência para que as aqueça, dirijo-me ao café do costume. Nem sei há quantos anos o frequento, pois este é um daqueles hábitos que vão passando de geração em geração. Saúdo os donos, cuja simpatia é irrepreensível, e aguardo. Nem preciso de pedir. O café cheio e a queijada de canela estão à minha frente, prontos a quebrar o gelo que reina lá fora e a aquecer ainda mais a minha alma, que sinto renascer a cada nova visita. Pago, saio e caminho lentamente, observando tudo o que me rodeia.
A paisagem não muda, é certo. As lojas são as mesmas desde há muito e apenas um edifício foi construído por aqui nos últimos anos. Ainda tem habitações à venda... Pudesse eu adquirir uma e nem pensava duas vezes. É um dos meus sonhos mais queridos, que espera pelo dia em que o sorteio de um dos jogos do costume me agracie com uma verba generosa.
Continuo a caminhar e sigo pelo passeio estreito paralelo à enorme casa junto à falésia, em direcção ao miradouro. Do outro lado da estrada, uma igreja, pouco maior do que uma capela, pertença de uma mansão há muito esquecida. Afixada numa parede uma lápide, que a relaciona com a família de um dos autores da nossa "A Portuguesa", Alfredo Keil. Que pena não ser alvo de maiores cuidados!
Chego, enfim, de novo ao meu veículo. As pernas acusam as subidas, mas ignoro o cansaço... Ignorando o pó e o vento que, entretanto, se fortaleceu e me enregela, sento-me sobre o capot e olho em frente. Lá está ele, magnífico, imponente, tão rico e diverso em vida e cor.
O oceano que ali flui, o mesmo que aprendi a amar nas tardes de domingo em que a minha mãe aqui me trazia, para ler o jornal depois do almoço enquanto eu me distraía com uma revista ou um livro, faz-me sempre reflectir mesmo que não o sinta, que não pense em algo de concreto. Enche-me de paz e tranquilidade e, não raras as vezes, devolve-me a calma, a paciência e até mesmo a frieza que me ajudam a enfrentar as situações menos boas.
Quedo-me por entre o meu olhar e não dou conta do tempo que passa. Entro no carro, mas o grande azul continua a chamar-me. Ignoro o telemóvel que toca, desligo um pouco o rádio. Mais do que poupar a bateria, quero saborear o silêncio deste gigante que me emprenha com a sua imensidão.
Começa a anoitecer. Carros chegam e partem. Uns demoram mais do que outros, mas todos por aqui passam, espreitam, olham. Permaneço no mesmo local.
Sobre um azul que começa a tornar-se cinzento, esconde-se o astro-rei, brilhante, ocultando os seus raios, que se esticam até tocar a superfície da água, dourando-a, por entre as nuvens que se vão espessando.
O dia vai chegando ao fim... os carros partem. Eu fico.
No miradouro quedam-se apenas alguns veículos, que posso contar pelos dedos de uma só mão. Namorados ou amantes, de qualquer idade, aproveitam a escuridão cada vez mais envolvente para dar largas ao sentimento e à paixão. Poderá haver momento ou local mais propício?
Sinto-me só. Não estás ali.
No entanto, sei que a solidão não é minha companheira neste momento. Estou no meu refúgio, no meu canto secreto, no meu mundo, com o meu mar, navegando os meus pensamentos pelas ondas da maré que entretanto subiu e traz os resquícios da espuma das ondas, que embatem contra a falésia, até ao vidro que tenho à minha frente.
Aproxima-se o momento de partir, de voltar à vida que, naquelas horas que foram breves instantes apenas, deixei para trás quando saí porta fora, buscando calma, reflexão e tranquilidade.
Ainda assim, sei que na partida se adivinha novo regresso, talvez em breve, e quem sabe não estarás ao meu lado, para partilhar este meu mundo.
Rosália
De Kaui a 2 de Março de 2005 às 12:40
A vida, minha querida Rosalie, tem as cores com que tu a pintas. Se, no passado, o cinza e o negro imperaram no teu universo, abre a janela e deixa entrar os arco-íris de oito cores: verde, azul, amarelo, laranja, encarnado, anil, violeta e branco (a cor da paz, da ternura, da felicidade - que tu tanto mereces).
De
aflores a 24 de Fevereiro de 2005 às 18:35
Li, como sempre, de principio ao fim o que escreveste. Contigo me deixei ficar por essas paragens, partilhando a paisagem, os sons, o silêncio, o cheiro, até o café e o bolinho...vi teu carro partir lentamente e desejei que tivesses encontrado a calma, a reflexão e tranquilidade que desejas, procuras e precisas.
De paulo povoa a 23 de Fevereiro de 2005 às 12:24
vi algo aqui que sempre soube
que o teu amor sempre será grandioso e que eu muitas vezes não respeito esse amor fazendo asneiras e não estando ao teu lado.
estou a tentar crescer para estar sempre ao teu lado, e espero conseguir fazê-lo porque sei que sem ti não existe mais amor, e sem amor não posso viver.
eu amo-te, disso não tenho duvidas, mas não consigo mostrar como deve ser.
amo-te minha dulcineia
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